* baseado em fatos reais
tem
dias que a gente se sentecomo quem partiu ou morreu
a gente estancou de repente
ou foi o mundo então que cresceu...
a gente quer ter voz ativa
no nosso destino mandar
mas eis que chega a roda viva
e carrega o destino prá lá ...(chico buarque)
o aniversário
dele é no dia 13. não que isso tenha importância, mas tem gente maluca que acha
que 13 é um número de azar. pra ele não. sorte, diz sempre. e naquele dia, como
em todos os outros, acordou cedo para trabalhar. não quis acreditar quando o
relógio quase explodiu de tanto tocar as seis horas da madrugada. ainda sonhava um sonho gostoso onde andava de
pés descalços na praia. abriu os olhos remelentos. a boca seca. pegou todas as forças que tinha no corpo e
levantou da cama.
foi até o
banheiro sem acender as luzes. queria manter o silêncio conquistado depois do
alarme do despertador. as crianças dormiam no quarto ao lado e a mulher iria
reclamar até o outro dia se fosse acordada antes da hora. pé ante pé atravessou o corredor. a casa simples, poucos móveis, chão de cerâmica. ao
abrir a porta do banheiro tropeçou no chinelo que ficou jogado ali na noite
anterior.
– merda.
praguejou enquanto pulava num pé só tentando amenizar a dor que sentia no
dedinho.
a luz do
banheiro era daquelas brancas que deixam a gente com cara de defunto. preferiu
nem olhar o espelho. foi direto para o banho, que foi rápido.
enrolado na
toalha foi até o guarda-roupa namorar o figurino do dia.
“que dia é hoje?”, se perguntava. “quinta. 13. dia de reunião no almoxarifado.
terno cinza”.
pegou o tal
terno esmeradamente mal passado. entre as virtudes da esposa não estava passar
bem uma roupa.
o terno
amarrotado e surrado pouco importava para ele. “o importante é ter o emprego, que se dane o terno barato”, dizia a
si mesmo. batia o ponto num escritório de contabilidade. trabalho chato,
cansativo, tedioso. comandava a equipe de despachantes.
terno
ajustado, cabelo penteado, sapatos apertados. saiu de casa para mais um dia de
luta. mal humorado, sem ânimo, achando tudo cinza e sem graça.
antes de
pegar o ônibus para o escritório, dava uma parada na padaria para tomar o
pingado com pão.
– seu
antônio, bom dia, aquele pingado, pedia ele ao balconista suado.
– e o nosso
time, hein? puxava assunto. sempre o mesmo enquanto bebia o café requentado e
mastigava o pão dormido com manteiga. isso era o de costume. mas, naquele dia a
padaria não estava em seu caminho.
aliás, o
caminho não estava ali. tudo parecia diferente. as cores estavam mais vivas,
não havia fumaça no ar, nem barulho. as pessoas sorriam e estava tudo limpo.
– o que será
que está acontecendo? pensou em voz alta.
olhava
incrédulo ao redor e quanto mais andava mais achava estranho. no chão, pedras
brilhantes davam um toque especial à rua que não tinha fim. era como se o mundo
estivesse mergulhado numa lata de tinta. uma não, várias. a grama era mais
verde, as árvores coloridas, as casas desenhadas a mão.
novamente
tropeçou. desta vez numa pedra em frente ao que se pode chamar de pastelaria. lá dentro um simpático
japonês sorria para ele. o dedinho machucado no tropeço de mais cedo nem deu
sinal de vida.
entrou. se
sentia num sonho. todos os tipos de comidas, das mais apetitosas, estavam na
vitrine. de salgadinhos a bolos de aniversário. o corredor que aparentava ser
pequeno crescia à medida que ele se dirigia ao balcão.
–bem-vindo e
palabéns pelo seu anivesálio, disse o japonês com sotaque
japonês.
–
é...obrigado. meu aniversário? o senhor pode me explicar o que está
acontecendo?
– sim, anivesálio do senhor e do japa da
pastelaria também, explicou o “japa” apontando para ele mesmo.
– espera ai,
hoje é dia...sim, dia 13, tem razão, meu aniversário. é do senhor também?
o japonês
sorriu mais ainda e balançou a cabeça querendo dizer que sim. mandou ele
escolher o que quisesse da loja. seria um presente.
ainda
descrente começou a andar pelas prateleiras encantado com tanta variedade. no
fundo no fundo, ele queria apenas um doce. simples, nada especial. o japa
entregou a ele o tal doce, mais uma porção de sorrisos e novamente deu os
parabéns.
ele mordeu o
doce. veio junto com o sabor mais saboroso do mundo um cheiro inebriante. e ele
podia jurar que ouvia música enquanto mastigava aquela maravilha. sentiu-se
revigorado, jovem, animado, de bem com a vida.
“melhor presente de aniversário dos últimos
tempos”, decretou. o japonês apenas sorria.
ao sair da
loja percebeu que o mundo voltava ao normal. lá estava a fumaça, o barulho, a
sujeira. olhou o relógio e se assustou:
não estava atrasado. foi como se o tempo não tivesse passado. pegou o ônibus e
foi para o escritório.
o dia foi
mais um daqueles pesados. tanto trabalho não permitiu ele pensar em mais nada,
muito menos no doce do japonês. mas estranhamente se sentia leve, livre de
carregar as mazelas do mundo nas costas.
voltou para
casa. o caminho de volta era sempre cansativo, mas naquele dia não. ele estava
especialmente feliz. mal tocou no jantar, ainda sentia o doce na boca. foi dormir. sonhou novamente
com a praia, mas dessa vez tinha uma casinha pequena ali no canto e um japonês
dentro, sorrindo pra ele.
acordou
assustado, mas ainda carregado de uma alegria inexplicável. lembrou do sonho e
do doce. o despertador tocava em alto e bom som. como todas as manhãs, levantou
e foi até o banheiro. tropeçou no chinelo. machucou o dedinho...”espera ai, que dia é hoje?”. e estava
lá no calendário: dia 13, quinta-feira.
vestiu o terno
cinza e saiu correndo em direção ao ponto de ônibus. a pastelaria não estava
lá, apenas a padaria engordurada de sempre onde tomava o café requentado. no outro lado
da rua um japonês sorria para ele.
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